Para a reitora da Universidade de Évora, instituição associada do InnovPlantProtect, a participação no CoLAB de Elvas era “imprescindível” e um passo que a instituição tinha de dar. Ana Costa Freitas, que vai de bicicleta para o trabalho e recebe alunos no gabinete, considera os laboratórios colaborativos instrumentais para fazer reviver o Interior com emprego qualificado. Quanto à biotecnologia de plantas, é perentória: não é possível alimentar toda a população sem a genómica.
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Texto: Eva Ceia/ InnovPlantProtect
Fotografia: Joaquim Miranda

Porque é que a Universidade de Évora (UÉ) se fez associada do laboratório colaborativo InnovPlantProtect (InPP)?
A Universidade de Évora não estava no consórcio inicial. Quando soube que havia o consórcio, falei com o reitor da Universidade NOVA e disse-lhe que estávamos interessados em fazer parte do Laboratório. Disse, aliás, ‘nós temos de entrar’. Eu acho que estes laboratórios colaborativos são o passo seguinte da estratégia e das políticas públicas de ciência. São um passo à frente daquilo que tivemos anteriormente: começámos pelos centros de investigação, depois os laboratórios associados e agora os CoLAB, que têm as empresas envolvidas no processo.
Considero aliás que os CoLAB são uma ideia interessante e vanguardista, e o facto de estarem dispersos no território é fundamental, até porque não reconheço no Governo muitas políticas para o Interior. Ainda assim, reconheço no Ministério da Ciência [Tecnologia e Ensino Superior] mais políticas para o Interior. Em suma, é fundamental termos nestes locais capacidade de emprego, e de emprego qualificado. E depois porque a Universidade de Évora tem na sua génese uma forte influência das áreas da agricultura e da biologia; tivemos uma grande ligação com a Estação [de Melhoramento de Plantas] em Elvas. [O InPP tem sede no INIAV Elvas, também associado do CoLAB].
A UÉ já estava na génese, ou já era associada, de outros CoLAB. O que é que o InPP acrescenta à Universidade?
Não éramos [associados] de nenhum nesta área. E esta área é importantíssima para a Universidade de Évora, para a região e para o país. É uma área fulcral no nosso funcionamento porque faz parte de nós. Por exemplo, o nosso maior centro de investigação é o MED [Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento]. É uma área, como todas as áreas da ciência, que deve ser cada vez mais transversal, o que implica muitos investigadores. É uma área da qual não podíamos ficar de fora. Era necessário dar este passo.
Fala da biotecnologia de plantas, da proteção de culturas…
As duas – a proteção de culturas e a biotecnologia de plantas –, visto que, mais do que o laboratório em si, é todo um processo. Há o solo, as plantas, a proteção da planta, (…) Apesar do laboratório estar mais focado na proteção de culturas mediterrânicas.
Para nós e no imediato, o Mediterrâneo é uma área de eleição; depois, a parte da sustentabilidade deste ecossistema é muito importante. A tudo isto liga-se a necessidade que temos de reduzir a o uso intensivo dos recursos. Esse “bocadinho” que está no InPP está em toda a fileira na qual a Universidade de Évora tem muito interesse, muito impacto e muito trabalho desenvolvido. Por isso repito, era imprescindível que estivéssemos [no CoLAB].
Concretamente, neste momento, em que consiste o papel da UÉvora neste projeto?
Temos uma investigadora que está especificamente ligada ao CoLAB, que é a Maria Rosário Félix, quejá tinha trabalhado várias vezes com o Pedro Fevereiro [diretor executivo do InPP]. Sei que têm vários projetos em colaboração; um deles é uma vacina para proteger plantas, mais particularmente as oliveiras da Xylella fastidiosa (uma bactéria da classe das Gammaproteobacterias). A Rosário tem feito um trabalho muito bom e era importante alargar a sua rede de contactos. As Universidades ditas pequenas têm grupos de investigação geralmente mais pequenos; e que, obviamente, temos de alargar, para consolidá-los ainda mais.
Universidade pequena?…
Para o contexto das universidades portuguesas… Geralmente, as universidades localizadas no Litoral têm acima de vinte mil alunos, enquanto as universidades localizadas no Interior têm cerca de oito a nove mil. Nos últimos anos, registámos um aumento do número de alunos e isso é bastante positivo. No que respeita a mestrados e doutoramentos, são mais difíceis de captar, mas a Universidade de Évora tem conseguido resultados muitos positivos; por exemplo, temos mais ou menos a mesma percentagem que a Universidade de Lisboa.
Agora, temos imensas vantagens. Tem vantagens para os alunos porque têm uma ligação muito mais forte com os docentes, muito maior proximidade… Recebo e-mails de alunos, recebo alunos aqui no meu gabinete; não é vulgar os reitores fazerem isto nas universidades ditas grandes. Temos muitos bons grupos de investigação, temos muitos centros classificados com “excelente e “muito bom”, mas formar um grupo de investigação e crescer torna-se mais difícil. Porque há menos gente aqui, portanto, as pessoas têm de se deslocar; depois têm de arranjar casa, fixar-se no território… E na investigação, o emprego ainda não é um emprego fixo. Atualmente temos cem investigadores mas, com contrato permanente, não temos muitos. A maior parte têm contrato a seis anos, renovável, obviamente, continuam nos seus projetos…
Por outro lado, o facto de os grupos serem mais pequenos é mais exigente. Em Portugal, nos últimos dez, vinte anos é que começamos a reconhecer a importância das redes de investigação. Nós tínhamos em Portugal, infelizmente – isto é uma opinião particular –, demasiadas “quintinhas de investigação” e competindo muito uns com os outros. Hoje, essa questão está mais atenuada. O alargar destas redes de investigação é muito importante porque um grupo pequeno dificilmente se afirma internacionalmente. A Universidade é pequena em número, não é pequena em qualidade.
No caso do InPP, como vê a participação das empresas? Acha que a estratégia seguida permite o desenvolvimento de uma atividade em conjunto?
Espero que sim. Nós estamos envolvidos noutros CoLAB, no Laboratório Colaborativo em Transformação Digital (DTx), com sede no Minho, que têm tido projetos com algumas empresas e têm empresas na sua constituição, que é obrigatório. Do InPP, tenho tido um pouco mais de feedback, nomeadamente até mesmo da autarquia. Estamos no princípio. Há vários aspetos que considero importantes: o corpo de investigadores que já têm, o fixar dessas pessoas em Elvas e a ligação às empresas – eu acho que é fundamental e tem sido bem-sucedido. Por outro lado, o InPP teve um aspeto difícil, que foi não ter instalações. As obras estão para acabar em breve, o que vai ser um passo importante.
Nós temos a Fertiprado e duas grandes empresas, a Syngenta Crop Protection e a Bayer CropScience. Acha possível empresas e laboratório colaborarem efetivamente?
Eu acho que sim. A base dos laboratórios colaborativos é darem resposta a problemas colocados pelas empresas e acho muito interessante o modelo de ter grandes e pequenas empresas envolvidas no Laboratório.
Neste momento temos um projeto com a Fertiprado, para uma solução específica, de identificação e combate a um agente patogénico que ataca o trevo-da-pérsia…
Creio que as grandes empresas irão procurar uma prestação de serviço, ‘nós precisamos disto’, e a Fertiprado quer desenvolver soluções. As pequenas empresas em Portugal precisam de se ‘habituar’ a que a investigação é essencial para o modelo de negócio que estão a desenvolver. Isso a meu ver é o que falta. Se não fosse assim, teríamos mais emprego de doutorados nas empresas. Ainda não há o reconhecimento da necessidade de apostarem na investigação. Por isso é ótimo que essa transformação esteja a acontecer, quer dizer que estamos a conseguir fazer aquilo que eu acho que os CoLAB têm como fim.
Tendo em conta que uma Syngenta ou uma Bayer já têm os seus próprios departamentos de I&D montados, o que é que o CoLAB pode oferecer-lhes?
Um laboratório de investigação pode sempre oferecer uma base que é o conhecimento. Infelizmente, o conhecimento não é muito valorizado no nosso país. As pessoas só valorizam o conhecimento quando o transformam num retorno financeiro. E o conhecimento é muito mais do que isso. As grandes empresas, quando necessitarem, sabem que têm uma base de conhecimento, que é sempre importante. Nem que seja para discutir problemas. É fazerem uso do conhecimento. E isso para eles, para essas empresas, é importante.
Esta área, da biotecnologia e das novas técnicas genómicas (NTG) aplicadas à proteção de culturas, é problemática em termos de regulamentação. No final de abril, a Comissão Europeia reconheceu que a legislação aprovada em 2001 para os organismos geneticamente modificados (OGM) não serve e prometeu abrir um diálogo alargado. Como vê este futuro…
O problema da União Europeia [UE] é que são 27 países que têm todos de se pôr em acordo. Nós queixamo-nos muito do tempo que demoram as decisões da UE, mas não há mais ninguém no mundo que tenha que ter os acordos aprovados por 27 chefes de Estado e de Governo. Essa discussão vai ser feita, mas é complicada. Poderemos, para acelerar, pegar na discussão ao contrário; ou seja, não é possível eventualmente alimentar toda a população se não usarmos a genómica. Temos de ver pelo lado mais positivo. Agora, vai demorar tempo.
Mas também acho que é um bom passo. É um passo que era inevitável. O contrário é que era estranho. É ciência. É evidência científica, ponto. A dificuldade de termos políticas públicas, sejam elas quais forem, baseadas em evidência científica… se fosse assim, éramos todos mais felizes. Eu acho que éramos, porque a ciência é a única coisa que pode promover um desenvolvimento sustentável, é a base científica das coisas. E nós estamos a ver “assassinatos” à sustentabilidade diariamente. E depois temos estes casos, que são uma venda à frente dos olhos. É não querer ver para além disto. E não conseguir interpretar o problema pelo lado científico; nem querer, que é pior ainda. Porque politicamente pode ser incorreto.
Acha que o InPP vai conseguir vencer este desafio?
Acho que sim. É tudo uma questão de informação e de comunicação. É um bocado um modelo de comunicação. Não é nada que não se faça. Para já, a sigla OGM não pode ser usada, ponto. A partir daí, praticamente tudo é permitido.
Acha que há um grande trabalho a fazer em termos de comunicação científica? No sentido de explicar que as NTG não são o que tínhamos há 20 anos?
Se nós explicarmos o proveito que as coisas têm… É preciso um trabalho de comunicação muito forte, que é fundamental, porque é o futuro. Não pode ser de outra maneira. A comunicação de ciência tem mais desafios porque não se pode comunicar ciência com palavras científicas. Temos de ter um modelo de discurso que chegue às pessoas. Eu tenho assistido quase que extasiada a todo o problema da Covid-19. Só o facto de o primeiro-ministro dizer que fala com os cientistas e nenhum lhe diz exatamente se deve desconfinar ou não… Não lhe pode dizer exatamente! Mesmo que pudesse, essa será sempre uma decisão política. Ele pode ouvir quem quiser e no fim tem de decidir, tendo absorvido o máximo de conhecimento possível.
Qual acha que será o impacto mais importante do InPP?
Bom, os resultados da investigação de certeza que têm impacto, mas têm impacto a longo prazo. Para mim, o importante é fazer reviver estas cidades. O facto de já terem 38 pessoas que vivem lá, que têm uma maneira de pensar diferente, que não estão acabrunhadas pela solidão… e Elvas é um caso até particular, porque tem a cidade de Badajoz ao lado… Eu acho que vai ser muito importante fazer reviver estes territórios. Os territórios do Interior do Alentejo são um terço do país, ao qual o país não liga. Não têm gente. Évora tem cerca de 50.000 habitantes, e Évora é a mais populosa – elege três deputados, Portalegre dois, Beja outros três; e a tendência é diminuir. Não têm impacto nenhum nos resultados eleitorais. Considero que a lei eleitoral devia de ser alterada.
As políticas públicas, mal, são a curto prazo. E o retorno em termos eleitorais, aqui, é muito pequeno. Eu acho lindamente a rede de Metro em Lisboa mas não há transportes no Alentejo. É mais “barato” para um aluno que viva em Estremoz ir estudar para Lisboa, do que vir de Estremoz para Évora. E quem diz Estremoz, que está a 46 km, diz Viana do Alentejo, que está a cerca de 30 km. Nós não temos verdadeiramente uma rede de transportes. Devia-se investir nessa área mas não é rentável, há pouca gente…
Por isso acho que esse é o grande impacto do inPP: mais pessoas a dizer que se pode viver, e bem, no Alentejo, e o Alentejo ter para oferecer condições, que tem, importantíssimas, de qualidade de vida. Para lhe dar um exemplo, venho sempre de bicicleta para a Universidade. Nós temos boas condições de vida, é preciso é que o território seja capaz de oferecer às pessoas empregos, habitação… porque se não tivermos empregos e habitação para as pessoas qualificadas, elas não vêm.
O InnovPlantProtect é um projeto que considero estruturante para a região e para o país
Ana Costa Freitas
O InPP é o único CoLAB dedicado à biotecnologia para a proteção de culturas. Que outros desafios tem pela frente?
O único desafio realmente importante é o êxito. Tem que ter êxito. Para conseguirmos que funcione bem é preciso garantirmos que vão ter êxito; o que depende de nós até certa medida.
E a fórmula para o êxito?
É preciso que o retorno para as empresas seja importante e que as pessoas realmente se possam fixar. É importante garantir que as pessoas gostam do que estão a fazer, estão a fazer algo que consideram útil e que se querem manter. Um bom investigador tem paixão pelo que faz, “gosta mesmo daquilo” e tem uma curiosidade inata. Veja por exemplo o êxito que os Laboratórios de Estado tiveram no princípio e depois estagnaram, porque deixaram de ter investimento.
É preciso nunca esquecermos isto: o modelo da investigação em ciência em Portugal – e esse é um modelo que vai ligar às empresas e, portanto, tem-se esperança que as empresas comecem a investir também – é competitivo: o Estado não financia convenientemente a investigação e por esse motivo temos de garantir verbas para investigação. Não considero que seja absolutamente um mau modelo, mas é competitivo. É preciso que as pessoas mantenham o entusiasmo para conseguirem estar sempre a candidatar-se a projetos. Este é um dos grandes desafios.
Como reage à atribuição do Prémio Vida Rural “Investimento que Marca” 2021 ao InPP?
O facto de este CoLAB ser considerado “o investimento mais relevante no último ano no setor agrícola e agroindustrial nacional” reforça a sua real importância a nível nacional. O InnovPlantProtect é um projeto que considero estruturante para a região e para o país, pois é fundamental em termos de investigação, de capacidade de emprego, e de emprego qualificado numa atividade crucial para a nossa economia como é o caso da agricultura, e numa região em que a urgência da criação de emprego qualificado é estruturante. Este prémio é, consequentemente, muito merecido, mas é também desafiante. Criaram-se expectativas muito elevadas que temos a obrigação de cumprir para corresponder ao desafio que abraçámos e que só pode ser ganhador.
Entrevista publicada em primeira mão pela Vida Rural, edição agosto 2021.
Atualizado em 4/11/2021